quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Democracia e autonomia

Muito se tem discutido sobre as mudanças - necessárias ou não? - no Código Penal, principalmente no que tange ao tratamento e às penalidades para aqueles que cometem os crimes chamados de hediondos. Sejam menores ou maiores de idade.
Constata-se desde logo que há uma classificação, técnica, tácita ou psicológica, pela qual alguns crimes poderiam ser mais tolerados que outros. Uma tal classificação incorre em um erro básico: a tolerância. Perguntem a uma vítima de assalto à mão armada se algum dia vai esquecer esse momento; se algum dia vai deixar de ser atormentado pela lembrança súbita da violência sofrida. Às vezes, é difícil pegar no sono por muitos dias depois e algumas vezes muitos anos depois do ocorrido. E aqui falo por experiência própria.
Como os nossos políticos classificariam, por exemplo, os crimes de corrupção tão conhecidos entre nossos parlamentares? Um político absolvido por seus pares após uma votação para decidir sua cassação e perda do mandato sente-se imune, porque ficou impune. Talvez pronto para repetir a dose. Aqueles que votam pela absolvição serão, nesses casos, tão criminosos quanto o absolvido. Mas em suas consciências, talvez se sintam simplesmente aliviados por não terem cometido o excesso de punir exemplarmente alguém que - segundo suas morais distorcidas - cometeu um pequeno deslize; algo bastante tolerável entre pares.
Um argumento muito usado atualmente é que a existência de um Código Penal único para todos os estados facilita a aplicação das penas. Pura balela, pois sabemos - e se não sabem fiquem sabendo - que apenas cinco por cento dos crimes cometidos no país são investigados, solucionados e seus responsáveis condenados. Quer dizer: cometer um crime no Brasil é uma loteria onde o criminoso tem noventa e cinco por cento de chances de sair vencedor. A culpa será da polícia despreparada e sem recursos, da justiça cega, surda-muda e leniente? Pode ser do sistema penal que permite o cumprimento de apenas um sexto da pena, geralmente em prisões cuja principal finalidade não é cumprida: a recuperação do preso para a sociedade. Pelo contrário, são usadas pelos chefes do crime como hotéis de onde continuam a comandar seus comparsas através de telefones celulares fornecidos por seus visitantes, incluindo aí alguns advogados, sob as barbas de carcereiros coniventes ou corruptos.

A centralização do poder e das decisões interessava ao Império. Tiradentes foi executado de acordo com instruções vindas de Portugal. O que poderia saber do Brasil e das circunstâncias que cercaram a Inconfidência Mineira uma rainha que vivia do outro lado do Atlântico? A execução do Tiradentes foi, além de uma vingança, um ato de intimidação.

O Império passou. Nos primórdios da República a centralização dos poderes e das decisões interessava à manutenção da integridade da nação. Não fosse a mão forte do governo central, algumas das insurreições ocorridas na época teriam fragmentado o país de maneira irreversível. O que, convenhamos, teria certamente seu lado interessante.

Tempos houve em que 'o que era bom para os Estados Unidos era bom para o Brasil'. Uma idéia idiota que grassou nas mentes de muita gente graúda por aqui. Ora, o que é bom para os EUA raramente será bom para nós que vivemos em Pindorama. Todavia, devemos reconhecer aquilo que pode ser copiado com clara vantagem para o Brasil. Uma das coisas que poderiam e penso mesmo que deveriam mudar é o grau da autonomia dos estados da federação.
Existem estruturas federais e estruturas estaduais - por exemplo - no transporte, nas finanças e na área fiscal. Por quê não incluir a autonomia penal nesse rol? Tem razão o governador do Rio de Janeiro quando afirma que as realidades dos estados da união são diferentes. Então, nada de estranho que seus sistemas penais reflitam essas diferenças.

O que não pode é ficarmos a classificar crimes entre os mais e os menos toleráveis; assistirmos inermes aos crimes perpretados por menores - ou pior, por maiores acobertados por menores - ficarem impunes porque o menor não pode ser condenado; ou esperarmos que um bando de picaretas que só pensam em aumentar seus ganhos saiam da sua boa vida em Brasília para resolver nossos problemas.

Para que Pindorama viva de fato em uma democracia há muito ainda que corrigir. Por enquanto só nos resta lutar com as armas da palavra e do nosso direito de cidadão contra a anarquia instaurada diante da falta de atitude dos nossos governantes centrais.

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