quinta-feira, junho 17, 2004

Datas (já publicado no Meu Bazar)

Acordo sobressaltado. Tenho que sair, é urgente. Depois vejo no relógio que não é tão urgente assim. Tenho ainda meia hora para chegar ao meu destino e sei que posso fazê-lo em menos de quinze minutos. Hoje é sexta-feira e o trânsito para a Barra deve estar mais lento agora que já são dezessete horas... Sinto algo estranho. Que dia é hoje? Fácil: dois de abril, pois lembro que ontem era o dia da mentira, mas a verdade anda tão sombria; parece que ninguém estava com disposição para brincadeiras.
Ah!, o elevador. Tá bom, dois de abril de ... é isso! Não me lembro o ano. Vamos pensar: não é ano de Copa do Mundo, então é ímpar. Mas podem ter se passado dois anos, então é par outra vez. Dois mil e três ou dois mil e quatro?! Ótimo, reduzido a duas opções. Mas como determinar qual dos dois? Tem algumas datas. Por exemplo, o aniversário da caçula. Ela é de noventa, então está com treze; ou catorze? Isso não ajuda. Será uma pane geral da memória? Vamos lembrar: os aniversários; tem de dezembro, são três, quatro com o meu. Em maio, mais dois. Em abril, mais um: é hoje. Assim não vai. Lembro de todos e as idades podem ser mais ou menos um ano - as femininas sempre menos.
Térreo. A plaquinha na parede do elevador diz a capacidade em quilogramas e número de passageiros. Divido um pelo outro; dá setenta quilos por pessoa. Eu peso mais, outros pesam menos; é só um valor médio que não leva em conta a crescente tendência do brasileiro para a obesidade. Mas a plaquinha não tem datas.
Não é pane geral. Ainda sei a raiz de duzentos e cinquenta e seis (é dezesseis), além de muitas outras. O seno de sessenta graus, que é igual ao co-seno de trinta e valem ambos raiz de três sobre dois. Vou perguntar ao porteiro: "Em que ano estamos?" Imagine a cara dele. Vai pensar: "O coroa tá ficando gagá."
Afinal, se lembro de tantos números, mas não do ano em que estamos, isso quer dizer uma de duas coisas: ou os anos são tão iguais que não tem importância em saber qual deles é, ou, embora diferentes para os outros sejam iguais para mim. Aí sim, faz diferença. Ou pelo menos eu deveria fazer a diferença.
Aqui está, sobre folhetos que me enfiam pela janela, um recibo de estacionamento. Ontem, 01/04/2004, às dez horas e trinta e seis minutos.
Que diferença faz?

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home